SEMPRE ESTUDANDO

terça-feira, 21 de setembro de 2010

ADOLESCENTE S.A.

Prof. Ms. Vanderlei da Silva e Profª. Dra. Maria Lúcia de Amorim Soares

O filme “5X Favela – Agora por Nós Mesmos” é uma obra cinematográfica coletiva, produzida por moradores de favelas do Rio de Janeiro. Trata-se de um filme em que a alegria e a descontração dos moradores não escondem as desigualdades sociais existentes nas favelas e, de uma forma geral, no Brasil, não ocultando, inclusive, a violência existente, principalmente a violência que atinge os adolescentes daquelas comunidades. É uma produção brasileira, de 2010, de Carlos Diegues, sob direção de Cacau Amaral, Luciana Bezerra e outros. A narrativa esta dividida em cinco episódios e todos têm em comum uma concepção ideológica e um cunho político, discursando sobre um universo que fica à margem da sociedade, sem voz e historicamente apresentado pela visão da classe média. O primeiro episódio do filme “5X Favela – Agora por Nós Mesmos” é denominado “Fonte de Renda”, e nele nos é apresentado um jovem morador de uma comunidade, que consegue realizar o sonho da sua vida: ser aprovado no vestibular e poder cursar uma Faculdade de Direito. Porém, as dificuldades são imensas e praticamente intransponíveis, começando pela falta de vale transporte para o ônibus que o leva à faculdade e culminando com a falta de recursos para compras os livros caros e indispensáveis que são indicados pelos professores. Diante da possibilidade da realização de um grande sonho e das dificuldades encontradas, o jovem estudante de direito, tem a oportunidade de se tornar um “empreendedor” e conseguir o tão almejado recurso necessário para fazer frente às despesas. Porém, trata-se de um empreendimento ilícito, um antiprojeto, ou seja, ele se sente atraído a vender drogas para os amigos da faculdade, que pertencem à classe média alta, lucrando com isso o suficiente para custear seus estudos. O final do filme é feliz, o jovem consegue um estágio e não necessita mais vender drogas.
Mas a vida real dos adolescentes que estão à margem da sociedade capitalista não é um filme e os finais não são felizes, e sim, na maioria das vezes, trágicos. A esperança expressada pelo personagem do episódio “Fonte de Renda” reflete a cobrança feita aos jovens, de maneira geral, para que invistam em seu “futuro”, estudando e se tornando profissionais bem remunerados e, consequentemente, bons consumidores.
O pesquisador Sylvio Gadelha em seu livro “Biopolítica, governamentabilidade e educação” faz um estudo demonstrando que determinados valores econômicos migraram da economia para outros domínios da vida social, disseminando-se socialmente. Desse modo, alcançaram um poder normativo, capaz de instituir processos e políticas de subjetivação que “vêm transformando sujeitos de direitos em indivíduos-microempresas – empreendedores”. O mesmo autor explica que para a teoria do “Capital Humano” faz parte da instituição de um novo espírito capitalista, onde a noção de capital humano está interligada a um conjunto de habilidades, capacidades e destrezas que precisa ser abstraído das pessoas concretas para que se torne valor de troca no mercado. Dessa forma, esse conjunto de capacidades próprias dos homens e mulheres passa a adquirir um valor de mercado e se apresenta como forma de capital. Ainda, segundo o mesmo autor, essa nova forma de governamentabilidade vai influenciar a vida das pessoas, de forma que todos passam a acreditar que a capacitação e a formação educacional e profissional dos indivíduos são os elementos estratégicos e funcionam como investimentos cuja acumulação “permitiria não só o aumento da produtividade do indivíduo-trabalhador, mas também a maximização crescente de seus rendimentos ao longo da vida”.
Diante de uma governamentabilidade que estimula os indivíduos a se tornarem “sujeitos microempresas”, precisamos começar a avaliar se isso também não serve como estimulo para que os adolescentes que, apesar de terem expectativas e esperanças, não conseguem incluir-se nesse mercado de forma positiva e lícita, acabem por encontrar formas para captação de recursos na prática de atos infracionais.
A definição da pobreza e da exclusão social está diretamente ligada à elaboração de estratégias para combatê-la. Atualmente o conceito de desenvolvimento de um país está diretamente ligado às oportunidades que a população tem, de fazer escolhas e de exercer sua cidadania. Essa nova definição traz como pressuposto que para o Estado não basta a garantia dos direitos sociais básicos, mas também é necessária a garantia da liberdade do ser humano, de modo que esse possa exercer sua condição de agente de decisão e transformação na sociedade. A partir dessas novas definições de pobreza e exclusão social, entendendo-as como fenômenos multidimensionais, passamos a compreender que para diminuir os seus efeitos perversos é necessária a criação de programas interdisciplinares que articulem iniciativas nas áreas da saúde, trabalho, educação e cultura. Essa deve ser uma prática que passe a valorizar o protagonismo e a criatividade dos indivíduos, oferecendo-lhes outras ferramentas para a inserção nos espaços econômicos e formais, levando em conta os laços familiares e os valores comunitários.
O desemprego estrutural é uma realidade no mundo contemporâneo, principalmente para as classes mais baixas da população. Isso se deve, principalmente, à falta de qualificação profissional para o novo mundo do trabalho e à distância que os separa de uma formação de nível superior. Nessas condições, a prática da criminalidade, principalmente, o tráfico de drogas, se apresenta como uma forma de ocupação rentável que atrai os mais jovens. Pois no “antiprojeto” do “mundo do crime”, o adolescente encontra oportunidade de se tornar economicamente independente e muitas vezes obterem remuneração superior à dos seus pais. Sendo que os “empregadores” do tráfico não exigem apresentação de currículo ou formação profissional. A criminalidade também apresenta a possibilidade da visibilidade e os jovens passam a se considerar como uma pessoa importante, o que não ocorria quando levava uma vida dentro da normalidade esperada pela sociedade. Os meios de comunicação apresentam que o status social dos adolescentes pode ser conquistado com o uso do tênis da moda, pela bermuda e pelo boné de marcas famosas, ou seja, por meio do consumo, é possível ser visível. Portanto, passa a ser necessário começar a compreender a visão que os adolescentes estão formando da nossa sociedade, que é enxergada por ele como o verdadeiro inimigo, responsável pela situação de sua exclusão e à de sua família, ou seja, as condições sociais em que vive e convive são responsáveis pela sua invisibilidade. Para que então, a partir desse conhecimento, possamos começar a tratar do problema do envolvimento dos adolescentes com atos infracionais e com a violência. Entendendo que esses jovens, em sua grande maioria, não tiveram muitas oportunidades, na verdade, foram esquecidos pela sociedade e estão em uma realidade completamente diferente da dos “adolescentes empreendedores” da classe média alta, por esses motivos agem de acordo com as experiências que vivenciaram durante a sua existência.
A conclusão que chegamos é que a cultura do empreendedorismo ainda não está voltada para o adolescente que mora na periferia das grandes cidades, que não conseguem concluir nem o ensino médio. E na verdade, o que a sociedade espera é que se estabeleça o conformismo, dessa forma, aqueles que ficaram excluídos permanecerão invisíveis e não perturbarão o sossego dos que conseguiram tornarem-se indivíduos-empresas.

Vanderlei da Silva - aluno do Doutorado em Educação (vangraz@uol.com.br), Dra. Maria Lúcia de Amorim Soares - Professora do Mestrado e Doutorado (Maria.soares@prof.uniso.br). UNISO – Universidade de Sorocaba.