SEMPRE ESTUDANDO

ARTIGO APRESENTADO NO EPIC 2010

A TRAJETÓRIA DO LAR ESCOLA MONTEIRO LOBATO DE SOROCABA FRENTE ÀS ALTERAÇÕES LEGAIS E SOCIAIS




Vanderlei da Silva

Mestre em Educação

Doutorando em Educação

UNISO – Universidade de Sorocaba

vangraz@uol.com.br



RESUMO

Este artigo faz parte do projeto de pesquisa para a obtenção do grau de Doutor em Educação, na linha da “História e Historiografia: Políticas e Práticas Escolares”, e tem como objeto de estudo a história da instituição “Lar Escola Monteiro Lobato de Sorocaba”, no período de 1946 a 2002. A proposta é investigar a história daquela Instituição, procurando entender as mudanças ocorridas na forma de acolhimento e de ensino, cotejando essas alterações com as transformações legais e sociais ocorridas na área do atendimento à criança e ao adolescente, e sua educação. As referências do título visam destacar que as questões legais e sociais que ocorreram durante a história do Lar Escola implicaram em adaptações, necessárias, por parte da Instituição. Pois, antes do Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), a legislação vigente (Código de Menores – 1927/1979) tratava das questões relativas ao menor em “situação irregular”, sendo que os termos “criança e adolescente” só apareceram na Constituição Federal de 1998, quando se começou a falar da “proteção integral”.



Palavras-chave: Educação escolar. Menor. Criança e adolescente.







THE A TRAJETORY OF THE “LAR ESCOLA MONTEIRO LOBATO DE SOROCABA”, IN FACE OF THE LEGAL AND SOCIAL CHANGES



ABSTRACT



This paper is part of a larger study that was presented as a Research Project to obtain the Doctor degree in Education. It is developed in the line of “History and Historiography: School Politics and Practice”, and it has as object of attention the study of the educational institution “Lar Escola Monteiro Lobato de Sorocaba”, during the period of 1946 to 2002. The proposition is to investigate the history of that Institution, trying to understand the changes that took place on the way of sheltering children and adolescents, and teaching them. This will be done through a confrontation between the changes occurred at the Institution with those dictated by both Law and Society, towards the matter in question. The references to the title aim to highlight that the legal and social concerns that were developed during the historical period of the “Lar Escola” implicated in necessary adaptations performed by that Institution. Before the Estatuto da Criança e do Adolescente (Children and Adolescent Statute) – (1990), the legislation in force (Código de Menores – Minors Code) (1927/1979) treated the issues related to minors in “irregular situation”; the expressions “children and adolescent” will only appear with the Federal Constitution of 1998, when “care and integral protection of children” were beginning to be talked about.

Key words: Schooling. Underage. Child and adolescent.

INTRODUÇÃO

A pesquisa apresenta uma proposta de estudo para o conhecimento e entendimento das transformações ocorridas no “Lar Escola Monteiro Lobato de Sorocaba”, que, desde a sua criação, em 19 de maio de 1946, passou por várias mudanças em sua forma de atendimento, como a ocorrida em 1991, motivada pela promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Porém, considero que a mudança mais significativa ocorreu no ano de 2002, quando passou a ser um núcleo do Colégio Politécnico de Sorocaba, se transformando em uma escola de ensino fundamental, em período integral.

Discorrendo brevemente sobre a história da Instituição, podemos dizer que ela foi criada em 1946, para o amparo, abrigo e pensionato de menores, recebendo para essa finalidade um prédio situado à Rua 7 de Setembro, nº 334, em Sorocaba, doado pelo Governo Federal. Nessa época, as autoridades do Estado, principalmente o Ministério Público, enalteciam a necessidade de amparar a “criança indigente”, sendo que a iniciativa de Sorocaba teve repercussão na imprensa da Capital paulista. No ano seguinte, o Lar Escola Monteiro Lobato recebeu da Secretaria de Justiça e Negócio Jurídico do Interior, a Estação Experimental de Citricultura, com todas as suas instalações e benfeitorias. A finalidade desse espaço era abrigar um serviço de recolhimento, assistência e educação de menores abandonados ou infratores, “não perigosos”, até a idade de 18 anos. Esse novo projeto recebia somente menores do sexo masculino, sendo que o atendimento para as meninas permaneceu na Rua 7 de Setembro até 1950, quando foi fechado. O motivo alegado para o fechamento do atendimento às meninas foi “o pequeno número de internadas e as despesas representadas pela manutenção de dois núcleos”.

Em 1953, houve a alteração do nome da Instituição , pois uma lei estadual proibiu que as Entidades que recebiam subvenção do Estado tivessem em seus nomes as palavras asilo, abrigo ou orfanato, por isso foi decidido pela denominação “Lar Escola Monteiro Lobato de Sorocaba”. Dentro do espaço em que estava instalado o Lar Escola, havia um Grupo Escolar Típico Rural, que atendia os internos e a população que morava em seu entorno. Devido a novas propostas de acolhimento de menores, a partir de 1970, a Instituição firmou um convênio com a Secretaria Estadual de Promoção Social, para a triagem de menores infratores.

Em setembro de 1990, após a instituição do Estatuto da Criança e do Adolescente, os dirigentes do Lar Escola Monteiro Lobato passaram a discutir com representantes da Promoção Social e da Prefeitura de Sorocaba, uma mudança do regime de internato para semi-internato. O programa de semi- internato foi implantado em junho de 1991, com 80 crianças cadastradas para o projeto sócio educativo, com atividades de reforço escolar nas disciplinas comuns das escolas de 1º grau.

Até 2001, as crianças de 07 a 14 anos frequentavam as dependências do Lar Escola em regime de meio período e cursavam o ensino fundamental na rede pública. A partir de 2002, a Instituição firmou uma parceria com o Colégio Politécnico, para que, no local, fossem criadas classes de ensino fundamental. Assim, os alunos passaram a frequentar o espaço em período integral, e com garantia de vaga para continuar os estudos no Colégio Politécnico.

É importante destacar que, durante o período estudado, principalmente nas décadas de 1960 e 1970, vários segmentos da sociedade brasileira se envolveram em lutas visando conquistar direitos para as crianças e para os adolescentes. Nesta pesquisa, vou trabalhar com esse panorama histórico, de lutas e conquistas; cotejando o contexto social, político e econômico do Brasil com as mudanças nas ações desenvolvidas pelo Lar Escola Monteiro Lobato. Nesse sentido, utilizo-me da experiência de Vieira, Peixoto e Khoury (2002), para contextualizar como as mudanças na visão do Estado podem interferir nas estruturas de uma organização.



Pensando a história como essa experiência vivida integral e socialmente, o conceito de política se amplia, sendo definido como todo um espaço de luta. Nesse sentido, o campo da política ultrapassa o âmbito estritamente institucional, os limites da presença e da ação do Estado, para se colocar na multiplicidade de formas de poder contidas nas estratégias de controle e de subordinação no social. (VIEIRA; PEIXOTO; KHOURY, 2002, p. 08)

OBJETIVOS

A pesquisa trará ao universo acadêmico o conhecimento sobre uma Instituição que existe a 63 anos na cidade de Sorocaba e que sempre esteve voltada para o atendimento de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade. Também trabalharei as diferenças no atendimento prestado pela Instituição durante a vigência do Código de Menores, e após a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), uma vez que o Lar Escola Monteiro Lobato acolheu o menor quando esse, no contexto histórico, era considerado “caso de polícia”, e hoje atende a criança e o adolescente num contexto totalmente diferenciado, em que tal público é considerado “caso de política”. Para realizar a sua missão, o Lar Escola precisou se adequar às determinações que regulamentavam esse tipo de trabalho, pois conforme o entendimento de Vieira, Peixoto e Khoury (2002), “O poder de dominação não se localiza apenas no aparelho de Estado ou no nível do econômico, mas existe todo um processo de disciplinarização necessária da população, que permeia toda a atividade social...” (p. 08)

Fazendo um resumo das mudanças que a alteração da Lei promoveu, apresento, num quadro sintético, as principais diferenças entre os Códigos de Menores e o Estatuto da Criança e do Adolescente:



MUDANÇAS OCORRIDAS APÓS A PROMULGAÇÃO DO ECA

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE CÓDIGO DE MENORES



DOUTRINA Proteção Integral – a Lei entende que todas as crianças e adolescentes são sujeitos de direitos e passam a ser considerados cidadãos em fase peculiar de desenvolvimento. Situação irregular – a Lei é voltada apenas para os abandonados, “expostos”, “carentes” ou autores de ato infracional; determina, para esse público, ações de assistência, proteção e vigilância, entendendo-os como objetos tutelados pela Lei e pela Justiça.

IDADES Divide os menores de 18 anos em crianças (0 a 12 anos incompletos) e adolescentes (12 a 18 anos). Não havia diferenciação; o que estava previsto no Código de Menores era aplicado a qualquer um, entre 0 e 18 anos, considerado em situação irregular.

Fonte: Estatuto da Criança e do Adolescente: um guia para jornalistas.



Entendo que compreender as diferentes formas de tratamento dispensado à criança e ao adolescente é importante para poder entender as transformações às quais o Lar Escola Monteiro Lobato teve que se adaptar em função das mudanças ocorridas na sociedade e na legislação. Conforme pode ser verificado pelo quadro acima, o Código de Menores, de 1927, era caracterizado pelo poder arbitrário do juiz de menores e por sua prática intervencionista. A proposta de internação era de caráter corretivo e a intervenção era realizada sem vinculação com as causas geradoras das situações de abandono e delinquência. Em 1941, cria-se o Serviço de Assistência ao Menor (SAM), cujo tratamento pautou-se pela violência contra os internos e, em 1954, a Lei nº 2.705, cria o Recolhimento Provisório de Menores (RPM), destinado aos infratores e submetido ao Poder Judiciário. Em 1964, foi criado um modelo fundacional: FUNABEM (Fundação Nacional para o Bem Estar do Menor), cujo objetivo era formular e implantar a Política Nacional do Bem Estar do Menor (PNBEM) e buscar soluções para o problema do menor, insustentável para a época. Nesse contexto, em âmbito estadual, foi criada a FEBEM (Fundação para o Bem Estar do Menor), sendo que no Estado de São Paulo esse modelo de instituição foi criada em 1975/76. O Lar Escola Monteiro Lobato vivenciou, na prática, todas essas mudanças e trabalhou com crianças e adolescentes num período em que o menor era alvo de intervenções do Governo Militar, pois, de acordo com a Ideologia de Segurança Nacional da época, por sua idade e condição social, os menores poderiam ser facilmente cooptados por subversivos. Dessa forma, os valores pelos quais se baseava a assistência eram os de ordem social, disciplina, discrição e discriminação. Para os “desvalidos” ou “delinquentes”, que eram internados, a ressocialização era feita por meios coercitivos. Quando a justiça considerava a família como “desclassificada” para educar e possibilitar o desenvolvimento de seus filhos, o Juiz de Menores os encaminhava para instâncias de tratamento, para prevenir ou reeducar os frutos dessas famílias “desajustadas” e do meio de origem “inadequado” ao seu desenvolvimento. No caso de Sorocaba, uma das Instituições que tinham essa finalidade “educadora” era o Lar Escola Monteiro Lobato.

Acredito que essa investigação trará importantes conhecimentos sobre a Instituição “Lar Escola Monteiro Lobato”, assim como demonstrará como as práticas educacionais ali implementadas estavam sujeitas a determinações legais e às políticas implantadas pelo Estado. A análise do trabalho da Instituição cotejado com o contexto social e legal vai produzir importantes informações para que o leitor possa compreender as interações entre o que prescreviam os regulamentos e o que ocorria na prática e, dessa forma, este trabalho contribuirá para a compreensão da história da educação escolar de Sorocaba.



METODOLOGIA



Seguindo o entendimento das autoras Vieira, Peixoto e Khoury (2002), “a pesquisa em história é apresentada como ‘experiência humana’, entendida como experiência de classe”, dessa forma, “o pesquisador, ao recuperar essa experiência vivida, realiza também uma construção da memória”. Por esse motivo, concordo com as autoras quando elas afirmam “que o processo de investigação não cabe em esquemas prévios, e as categorias que servem de apoio ao trabalho serão construídas no caminho da investigação” (p. 09). Sendo assim, o trabalho de pesquisa que realizarei se situa dentro de uma linha que trabalha com história social, conforme o entendido por Vieira, Peixoto e Khoury (2002, p. 08): “O que propomos não é um estudo paralelo do social, do cultural, do econômico, do político, mas sim um estudo que leve em conta todas essas aparentes dimensões, sem qualquer compartimentação ou subordinação”. Por isso, não me preocupo com a formulação de hipóteses fechadas antecipadamente, mas penso na pesquisa com a ideia de constantes problematizações das relações sociais, definidas durante o diálogo com as fontes.

Para trabalhar com as fontes, seguirei a concepção histórica da “Escola dos Annales”, que ampliou a noção de documentos. Por isso, os documentos escritos serão incorporados e completados por outros de naturezas diversas, como, por exemplo, objetos, signos, paisagens etc.

Como ponto de partida, vou reler todas as atas das Assembleias do Lar Escola Monteiro Lobato, já que esses documentos estão à minha disposição, uma vez que os digitalizei e imprimi, precisando, porém, ser mais bem analisados para uma pesquisa aprofundada. Além dessas atas, que considero fonte primária, trabalharei com os seguintes documentos: legislação, livro de visita dos inspetores escolares, fotos, notícias de jornais, entre outras, que com certeza serão encontradas durante o trabalho. Também, realizarei entrevistas com ex-internos e educadores que tiveram algum tipo de ligação com o Lar Escola, visando obter outras informações que não foram relatadas nas atas das assembleias, pois concordo com Paul Thompson que nos chama a atenção para o fato que:

...os documentos que nos foram legados do passado não são, como alguns crêem, uma amostra acidental do que originalmente existia. Foram escolhidos para que prevalecessem, normalmente por membros dos grupos sociais políticos ou instruídos, ao supô-los significativos. Refletem, portanto, a estrutura de poder e os preconceitos de sua época. (THOMPSON apud LOURO, 1984, p. 25)





REFERÊNCIAS

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